domingo, novembro 28, 2010

Fome

Eram duas pessoas. Andavam de mãos dadas. Uma muito idosa, como idosos eram os mais velhos da década de 50 do século passado. Vestida de preto, alparcatas sem meias, roupa velha e pouca, carrapito escasso feito de um pequeno tufo de cabelos pouco brancos. Puxava uma criança descalça, magra, atrofiada, de olhos grandes e pretos e estômago sempre vazio. Era a neta. Ambas subiam e batiam às portas de alguns prédios que haviam nas redondezas. A resposta do "Quem é?" era sempre a mesma: "a probezinha do costume". Umas vezes recebia comida, outras algum alimento, outras batiam-lhe com a porta na cara. E, as duas, lá desciam as escadas, procurando outro prédio. Certo dia vi a pequenita - lembro-me bem - junto de um caixote de lixo, vasculhando-o. As sua mãozitas estavam cheias de cascas de ameijoas. Quando encontrava alguna cheia comia-a ávidamente. Parei. Olhei para ela. Ela olhou-me nos olhos, sorriu e continuou. A fome chamava-a mais alto. Quando vejo alguma criança pedindo, lembro-me das ameijoas. E dou-lhe o que me pedir para comer.
A vida é injusta: uns com tanto e outros com cascas de ameijoas.
Bons sonhos!

segunda-feira, novembro 22, 2010

A felicidade é uma deusa que se apodera de nós, tapa-nos os olhos, cala-nos a boca.
Trememos de emoção ao mais pequeno toque , ao mais leve movimento. É uma deusa transitória com uma duração de vida muito curta. E um dia, abrimos os olhos, abrimos a boca e vêmo-la a fugir e a rir-se,a rir-se.
É assim que nos sentimos quando um dia percebemos que os nossos momentos felizes estão a escorregar por entre os dedos. A doce loucura passa depressa, começa-se a descer ora com suavidade, ora com tropeções. E o medo começa a entranhar-se na nossa pele, o frio aproveita-se da nossa fragilidade e entra nos nossos ossos.
Felicidade onde estás? Não fujas, fica aqui, aconchega-me, abraça-me. Sê minha irmã-

Bons sonhos!

sexta-feira, novembro 19, 2010

Escrever?

Sonhei ser pena de escrever, deixada numa mesa de café, junto à chávena vazia e fria do café já bebido. Puxei um guardanapo e escrevi palavras soltas, desarrumadas, irrequietas que não se cansavam de saltar. Bem que me esforçava por as fazer parar mas, elas - fazendo-se engraçadas - fugiam pela mesa e escondiam-se na chávena. E eu, pena, estava envaidecida por escrever, por rabiscar, por riscar o papel ou com mais força, ou mais levemente, sem parar. Não conseguia ler o que escrevia e continuava. Senti uma sombra sobre mim, alguém puxava o meu tapete, isto é, o meu papel. Silêncio. Liam-no. Silêncio. Então ouvi:
- Rabiscos. Não dizem nada. Mania de julgar que sabe escrever.
Estendi-me na mesa já vazia. o sonho acabou. Acordei.

Bons sonhos!