domingo, abril 20, 2014

MOMENTO

MOMENTO
 

O telefone tocou.

Abri o portão.

Contei os degraus

Que suavemente subias.

Estendi os meus braços

Ao teu abraço apertado

Que incendiou meu corpo.

Na sala, ecoava

O Bolero de Ravel.

Meus pés dançavam

Levando-me ao calor

do teu corpo másculo.

Aos poucos, minhas margens secas

Abriam-se ao toque da tua paixão.

Teu rio turbulento

percorreu meu íntimo

deixando-me Paz e Alegria!

 

 

 

domingo, março 30, 2014

Atena


 
Atena

Esta palavra sempre me atraíu. Porquê nunca o percebi.

Quando às vezes rabisco umas ideias, faço um comentario assino Atena.

 Todo o mundo sabe que eu tenho paixão por poesia. Desde a época medieval até aos nossos dias eu consumo esta forma de arte, o mais que posso.

Este mês, no dia dos meus anos, a minha filha ofereceu-me um livro de Maria Teresa Horta – Poemas para Leonor.

Este livro foi escrito sinultâneamente com  o livro “Luzes de Leonor”.

Os laços familiares e artísticos que unem estas duas poetisas – Leonor de Almeida Marquesa de Alorna e Mª Teresa Horta- Transvazam neste livrinho de poenas.

Claro que quando o recebi, comecei logo a ler os poemas, escolhidos de uma forma aleatória, e deixei para trás o prólogo de autoria de Helena Vasconcelos.

Hoje, dia cinzento com chuva e frio, abri o livro e comecei a ler o prólogo, enquanto o almoço coze ao lume.

No meio da leitura apareceu-me este período, que trancrevo na íntegra:
“Atena (deusa) que não recuava perante os perigos, antes se lançava na refrega,com ardor e sabedoria”.

Parei de ler. Pensei que também eu de lanço nas empreitadas que se me oferecem – com ardor mas, sem sabedoria.

Agora percebo porque, inconscientemente, adoptei o nome ATENA.

quarta-feira, junho 05, 2013


CONVERSAS  DE  OUVIDO

 

Mandou parar a camioneta. Perguntou:

- Vai para o Areeiro?

- Não. Esta vai para a Praça de Espanha.

- Mas, eu quero ir para o Areeiro.

O motorista – estrangeiro – não sabia informar.

A senhora, que ia sentada no 1º banco, inclinou a cabeça e disse:

- Vá até à Praça de Espanha e depois apanha o Metro para o Areeiro.

- Eu não sei andar no Metro. Quero ir para Cacilhas.

- Só às 4h (eram 12,45h) – respondeu o motorista.

A senhora do 1º banco insistiu.

-Suba. Venha. Desce nas portagens e aí apanha uma camioneta para o Areeiro.

- Mas eu não sei ir para essa paragem.

E a camioneta parada na berma da estrada.

- Venha que eu ensino-a.

A senhora entrou e sentou-se. Deu uma nota de 5 Euros e recebeu umas moeditas.

- O bilhete é caro! – comentou.

E começou uma amena conversa som a senhora do 1º banco. Ia ao médico. Ela sabia o caminho se fosse por Cacilhas. Mas, assim…. Ia aprender um caminho novo. Sim, porque ela já tinha 80 anos.

- Não parece. Está mto bem conservada – adiantou a senhora do 1º banco.

- São os seus bons olhos a falar.

E continuou. Estava viúva desde há nove meses. O marido tinha falecido no dia em que fizeram 56 anos de casados. Tinha dois filhos: um que foi muito mau e lhe deu muitos, muitos problemas. Estava no Canadá e já tinha uma menina com 12 anos. O outro era bonzinho mas, há cinco anos que não lhe falava e nem tinha ido ao funeral do pai.

- E dizia eu que era bonzinho. Valha-me Deus!

Mas ela adoeceu muito. E a médica quis falar com os filhos. Veio o do Canadá. Quando soube do estado da mãe, ficou cá e não a deixou mais. Ela precisa de ser operada ao coração. Mas este ministro não dá dinheiro aos hospitais. A prótese, que ela tanto precisa, tem que ser em 2ª mão.

- Se calhar vão tirar de algum morto. Já viu?

- Pode ser que seja de um rapazinho novo e jeitoso – respondeu a senhora do 1º banco.

E riram-se as duas. Mas o filho – o que era bonzinho enviou-lhe uma carta de intimação – ao fim de seis meses do pai morto – a reclamar a herança.

A camioneta chegou às portagens. Ela saiu.

Disse muitos adeus.

E ficou à espera que outra camioneta a levasse ao Areeiro, pelo caminho novo.
 
Bons sonhos!

quarta-feira, maio 15, 2013

CATEDRAL

CATEDRAL

Na catedral da Esperança
Eu entreguei meu coração.
Na catedral da Ternura
Eu entreguei meu corpo.
Na catedral de Pedra eu me entreguei.
De dedos erguidos ao Além
Implorei carinho.
As minhas mãos deslassaram-se,
meus dedos dobraram-se.
Não sei rezar!
Não quero pedir.
Eu quero unir as mãos
e receber a benção
do teu olhar, 
do calor dos teus lábios,  
da sensibilidade do teu tacto.
Mãos juntas em catedral
 eu espero por ti!

segunda-feira, abril 29, 2013

A janela da rua


Um dia.
Outro dia.

E outro.

E outro.

Os dias passavam iguais.

E aquela janela pequena, com cortinas brancas de renda, que já eram cinzentas, com um pequeno canteiro de ferro forjado e enferrujado, tinha ervas secas.

Por detrás da vidraça meia tapada, meia destapada, aquela senhora, de carrapito ralo, via a rua passar.

De manhã, bem cedo, a paragem de autocarro ficava cheia de homens e mulheres – que nem se olhavam – ensonados, cansados já com algumas horas de tarefas.

 Passavam, olhavam, não sorriam e…  seguiam.

Um pouco mais tarde, passavam as crianças – sem batas brancas – com as mochilas às costas, saltando as pedras do passeio.

Passavam, olhavam, sorriam, diziam adeus. e…  seguiam.

Logo a seguir, apareciam algumas senhoras – já idosas – que iam às compras diárias. Já não se ouviam as varinas, nem os moços-merceeiros que andavam de porta em porta, fazendo o rol de cada casa. As senhoras iam ligeiras e voltavam cansadas, com sacos cheios de pouca coisa – a reforma é pequena e só se compra o essencial.

Passavam, olhavam, sorriam, e…  seguiam

Mais tarde apareciam os homens reformados a caminho do jardim. Levavam um saquinho com migalhas de pão para darem aos pombos ou aos patos. Iam à procura do sol, porque o sangue já corre frio.

O polícia de ronda, todos os dias olhava carinhosamente para a janela e fazia a continência. Passava, olhava, sorria e…cumprimentava.

E a velha senhora de carrapito ralo continuava na janela, acertando o seu relógio pela passagem dos outros que enchiam a rua.

Numa manhã nublada e fria a janela não se abriu.

Os homens e mulheres ensonados entreolharam-se e seguiram calados.

As crianças – sem batas brancas – entristeceram-se porque não puderam dizer adeus.

As senhoras idosas repararam na janela fechada, pararam, franziram a cara e benzeram-se.

Os homens reformados olharam para a janela, reflectiram um pouco e…foram até ao jardim.

O polícia de ronda passou pela janela de cortinas fechadas, parou, pensou e… entrou na escada do prédio.

Duas horas depois o 112 chegou.

A senhora que via passar a rua à sua janela, entrou na sua própria rua e, pela última vez, atravessou-a em direcção  a uma nuvem que passava lá no alto do céu nublado.

A solidão, aos poucos, foi mirrando aquela vida.

A rua está mais pobre.

As cortinas daquela janela pequena, com um canteiro de ferro forjado e enferrujado, continuaram para sempre caídas.

domingo, dezembro 02, 2012

Aqueles olhos negros

Ela tinha uns lindos olhos negros e tristes. Absorviam o mundo que a rodeava e não gostava.
Fugia de quem falava muito consigo. Tinha medo.
Em casa, a comida era escassa. De manhã, o cheiro do café - feito numa cafeteira de esmalte - lambia a cozinha pobre. Tomava as sopas de café e... eram uma delícia!
As outras refeições eram parcas. De vez em quando, havia peise. Que bom!
Brincava na rua. Via as outras crianças irem para a escola e desejava ir também.. mas, era pequena. De tempos a tempos apareciam umas freiras para ensinarem canções religiosas.  E, lá estava ela, pequenina, sentada no muro, no meio das mais crescidas.
Um dia, sem saber como nem porquê. um senhor veio buscá-la.
Deixou o bairro pobre, a casinha, as sopas de café, a rua para brincar, as freiras para cantar...
O seu mundo rodou vários graus. Tinha, agora, um quarto só para si, - mas o medo tolhia-a.
Foi ensinada a comer, a falar, a sentar-se à mesa... Vestiram-na com fatos bonitos, com chapéus, com sapatos novos e... mandaram-na para a escola.
Ah! a escola! Aí sim! estava feliz! Tinha mais meninas, brincava, aprendia... e, à tarde, voltava sozinha para casa e sozinha ficava.  Valiam-lhe os bonecos e alguns livros de histórias.
Foi crescendo... foi vivendo...
Nunca mais voltou ao bairro pobre. Nunca mais comeu sopas de café pela manhã. E dos seus para sempre foi separada.
Hoje é uma senhora.. mãe de família... Continua com os seus olhos negros à procura da cafeteira de esmalte do café da manhã, cujo aroma lambia toda a cozinha.

Aqueles olhos negros

Ela tinha uns lindos olhos negros e tristes. Absorviam o mundo que a rodeava e não gostava.
Fugia de quem falava muito consigo. Tinha medo.
Em casa, a comida era escassa. De manhã, o cheiro do café - feito numa cafeteira de esmalte - lambia a cozinha pobre. Tomava as sopas de café e... eram uma delícia!
As outras refeições eram parcas. De vez em quando, havia peise. Que bom!
Brincava na rua. Via as outras crianças irem para a escola e desejava ir também.. mas, era pequena. De tempos a tempos apareciam umas freiras para ensinarem canções religiosas. E, lá estava ela, pequenina, sentada no muro, no meio das mais crescidas.
Um dia, sem saber como nem porquê. um senhor veio buscá-la.
Deixou o bairro pobre, a casinha, as sopas de café, a rua para brincar, as freiras para cantar...
O seu mundo rodou vários graus. Tinha, agora, um quarto só para si, - mas o medo tolhia-a.
Foi ensinada a comer, a falar, a sentar-se à mesa... Vestiram-na com fatos bonitos, com chapéus, com sapatos novos e... mandaram-na para a escola.
Ah! a escola! Aí sim! estava feliz! Tinha mais meninas, brincava, aprendia... e, à tarde, voltava sozinha para casa e sozinha ficava. Valiam-lhe os bonecos e alguns livros de histórias.
Foi crescendo... foi vivendo...
Nunca mais voltou ao bairro pobre. Nunca mais comeu sopas de café pela manhã. E dos seus para sempre foi separada.
Hoje é uma senhora.. mãe de família... Continua com os seus olhos negros à procura da cafeteira de esmalte do café da manhã, cujo aroma lambia toda a cozinha.
 Quem sabe da cafeteira?
 

terça-feira, outubro 30, 2012

                                   Cinema  Paris

Sábado à tarde o meu pai disse:
- Amanhã almoçamos cedo e vamos ao cinema,  à matiné das 3h.
- A que cinema, Pai?
- Ao cinema Paris. Apanhamos o 42 e descemos na Estrela.
Para mim - menina de 12 anos - a tarde de cinema começou naquele momento.
Qual seria o filme? Era bom que tivesse actores giros.Ah! não se pode dizer "giros". É uma palavra feia. Actores bonitos  que dessem um beijo à actriz. Ah! eu gosto tanto de ver...
No jornal vêm os filmes que passam nos cinemas. Mas, nós só o compramos ao domingo. Amanhã vou estar atenta e, quando vier o jornaleiro, pego logo no jornal.  Se for  o Pai a recebê-lo já sei que só o posso ler à tarde.
Nessa noite dormi um pouco agitada. Não era preciso pensar em quem se sentaria a meu lado pois, ficaria numa cadeira entre os meus pais. O jornaleiro bateu nos vidros da janela. O meu pai recebeu o jornal. Pronto... lá se foi a possibilidade de ver o nome do filme.
Almoçámos ao meio-dia. Arrumámos a cozinha. Apanhámos o 42 e descemos na Estrela. Comprámos os bilhetes. Nas vitrines exteriores lá estavam os cartazes: As gémeas.
Vi o filme com toda a atenção. Duas irmãs gémeas separadas à nascença que se reencontraram anos mais tarde num colégio.
Voltámos para casa no 42 e... passou-se mais um domingo.
52 anos depois, sentada numa mesa de café, frente ao edifício onde existia o cinema Paris, recordo com saudade a minha meninice, o meu Pai, o movimento daquela rua...
Ainda há eslectricos.   O 28 está a passar...